sábado, 23 de outubro de 2010

Tráfico de entorpecentes e conversão de pena II

O STF, por ocasião do julgamento do HC 97.256/RS, Rel. Min. Ayres Britto, (Informativo nº. 604), reconheceu a possibilidade de conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Dessa vez, trago um trecho da decisão que considero relevante, em termos hermenêuticos.

"23. Daqui se deduz que a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, se afigurar como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação (mandado de otimização, diria Ronald Dworkin) de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto - porque não dizer? - a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional. É que a pura racionalidade se dá nos colmos olímpicos da abstração mental, sempre ávida por trabalhar com categorias tão universais quanto atemporais, que são categorias aprioristicamente válidas para toda e qualquer situação existencial. Diferentemente do juízo de razoabilidade, que toma em linha de conta o contexto ou a contingência das protagonizações humanas. Atenta à elementar consideração de que o Direito é feito para a concreta vida dos homens em sociedade, e o fato é que a concreta vida dos homens em sociedade escapa até mesmo à mais circunstanciada ou minudente descrição legislativa. Regida que é, tal como na particularizada esfera dos fenômenos quânticos, pelos princípios da complementariedade e da incerteza - para lembrar a conhecida categorização de Heizemberg. Ou como no Século V antes de Cristo sentenciava Heráclito: o ser das coisas é o movimento (e as coisas ditas humanas não fogem à regra). Por isso que só o impermanente é que é permanente; somente o inconstante é que é constante, porque tudo muda incessantemente, menos a incessante mudança.

24. Em suma, estamos a falar de uma necessária ponderação em concreto, ditada pelo permanente esforço do juiz para conciliar segurança jurídica e justiça material. Segurança e justiça que figuram desde o preâmbulo da Magna Carta Federal entre os valores de pronto qualificados como valores supremos de uma sociedade pluralista, fraterna e sem preconceitos. Saltando aos olhos que é esse tipo de sociedade que se põe como base de inspiração do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) e, pour cause, do advento de um sistema de direito penal humanista.

25. Noutro modo de falar sobre a mesma coisa, o momento sentencial da dosimetria da pena não significa senão a imperiosa tarefa individualizadora de transportar para as singularidades objetivas e subjetivas do caso concreto - a cena empírico-penal, orteguiana por definição - os comandos genéricos, impessoais e abstratos da lei. Vale dizer, nessa primeira etapa da concretude individualizadora da reprimenda (a segunda etapa concreta já se dá intramuros penitenciários), o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade de condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Sem prejuízo, claro, da proposição de que a lei, se não pode fechar para o julgador a porta da alternatividade sancionatório-penal, pode prever a cumulação da pena que tenha por conteúdo a liberdade com outra desprovida de tal natureza. Como, por hipótese, a pena de perda de bens e a multa, ambas perfeitamente compatíveis com o seu adicionamento à perda ou então à constrição da liberdade da pessoa natural".

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